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25 de fevereiro de 2007

Biografia 1929-1960




“O homem é a obra, segundo uma já velha (e discutível) sentença. É-o também na relação consigo mesmo e com os outros. A esta luz, a obra pode lançar sobre quem a gerou um clarão diurno mas não dar totalmente a sua medida. De José Afonso se dirá com razão isso mesmo. Projectou-se (ou projectaram-no) para além da poética musical que nos legou. Por causa dela, é certo. Mas não foi indiferente o seu modo de estar, o apego à liberdade e independência, a generosa dádiva de si mesmo, a coerência (teimosamente perseguida) – enfim, a relação empenhada que teve com o seu tempo, um tempo colectivo que melhor o vemos agora, olhando para trás, transcendente e único. Um tempo a saber a oportunidade perdida, diremos talvez. Mas perdida em relação a quê se a ulterioridade dos factos históricos – marcada por esse sinal da globalidade que é o grande axioma (e argumento) dos nossos dias – desmentiu como utópicas as hipóteses de ontem?”
Santos, João Afonso dos. p. 10

1929. Nasce em Aveiro, a 2 de Agosto. “O apelido receberam-no do inspector escolar Domingos José Cerqueira. Homem de pesadas e medidas palavras… Este nosso avô materno legou-nos um bom lote de tios. Rigoroso já então nas contas, teve quatro rebentos de cada uma das mulheres com que casou. A primeira foi a avó Rosa Augusta Dantas… e a “filha segunda dessa primeira união, a mãe do Zeca e minha, Maria das Dores Dantas Cerqueira, de seu nome.”
“José Nepomuceno Afonso dos Santos, também beirão de raiz, foi o pai do quase biografado nestas notas. De modo que Zeca resulta da enxertia de uma cepa beirã em vide minhota, ambas transplantadas para a foz do Vouga. Da combinação onomástica dos progenitores saiu-lhe o nome, composto como se segue: José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos. As contingências, sempre arbitrárias, reduziram-no mais tarde para José Afonso, Zeca para os mais íntimos.”
Ibidem, pp.17-20.

1930. Os pais vão para Novo Redondo (actual Sumbe), Angola, onde José Nepomuceno é colocado como delegado do Procurador da República. José Afonso, por razões de saúde, é confiado à guarda da tia JeJé e do tio Chico, “um republicano dos quatro costados, de bigodes retorcidos à Rafael Bordalo Pinheiro e convicções materialistas" e anti-sidonista - e passa a viver na casa do "Largo das Cinco Bicas, onde residiam os Cerqueiras", em Aveiro.

1933. José Afonso segue para Angola acompanhado por um tio advogado em lua-de-mel. Um missionário passa a ser a companhia do pequeno. Inicia os estudos da instrução primária. Permanece em Angola durante três anos.
“No Mouzinho o meteram ao encontro da família que, a bem ver, pouco menos lhe era do que estranha. Acostumara-se ao aconchego de uma tia materna a cuja custódia os pais o entregaram, desconfiados da sua fragilidade e das terras impaludadas para onde seguiram primeiro.”
Ibidem, p. 15.

1936. Regressa a Aveiro e passa a viver em casa de umas tias maternas.
“Quem sabe se por vias de tais bolandas … se não habituou a observar os adultos que permutaram à sua volta, a captar-lhes os tiques, os humores, as manias. A medir a provisoriedade das coisas e a exilar-se no sonho. A relativizar (depois que fez a descoberta da sua subjectividade). Nem por isso se fez bisonho, introvertido. Pelo contrário. As opiniões dos familiares que então o rodearam coincidem em caracterizá-lo como uma criança alegre, afectuosa e branda.”
Ibidem, p. 20.

1937. Vai viver com os pais para Moçambique, juntamente com os irmãos João e Mariazinha(nascida em Angola, em Silva Porto – actual Kuito - numa altura em que o pai havia sido transferido de Novo Redondo para esta cidade).

1938. Volta novamente para Portugal e vai viver em Belmonte, desta vês com o tio Filomeno, presidente da Câmara Municipal, salazarista, que o obriga a envergar a farda da Mocidade Portuguesa. Conclui a quarta classe.
“… Zeca bebeu aqui, nesta infância remota de embarcado, alguma coisa do seu vezo de andarilho… Zeca tem a divagação no sangue, é um espírito nómada espartilhado entre as quatro paredes deste nosso espaço sedentário, comprimido contra o oceano… Dessa sorte de navegar, no mar ou em terra, se embeberam as suas canções ou parte delas, numa obsessão inconsciente.”
Ibidem, pp. 14-15.


1940. Vai para Coimbra e matricula-se no Liceu D. João III, passando a viver em casa da tia Avrilete. Conhece António Portugal e Luiz Goes.

1942. O pai é transferido para Timor com as funções de Juiz. Com os pais segue a irmã Mariazinha; o irmão João vem para Portugal. O pai é feito prisioneiro pelos Japoneses que haviam ocupado Timor. José Afonso fica sem notícias dos pais.

1945. No fim da II Guerra Mundial, José Afonso recebe, finalmente, notícias dos pais. No 5º ano do Liceu começa a cantar serenatas como “bicho” (1).
“As minhas primeiras veleidades de cantor surgiram quando andava no 6º ano do liceu. As noites passava-as em deambulações secretas pela cidade, acompanhado de meia-dúzia de meliantes da minha idade, amantes inconsequentes da noite. Com uma guitarra e uma viola fazíamos a festa. Estávamos ainda longe do hieratismo triunfal das serenatas na Sé Velha diante de multidões atentas e respeitosas. O velho Flávio Rodrigues continuava a ser o «Mestre», venerado por um pequeno discipulado de guitarristas e acompanhadores que com ele se reuniam numa pequena casa do bairro de Celas onde acabou os seus dias minado por uma doença fatal.”
José Afonso, Autobiografia, Cidade da Beira, 1967

1946. Não consegue completar o curso do liceu, por chumbo.

1947. Chumba novamente.

1948. Completa, finalmente, o curso dos liceus. Viaja com o Orfeão e com a Tuna Académica., quando não joga futebol na Académica de Coimbra.

1949. Inscreve-se no curso de Ciências Histórico-Filosóficas da Faculdade de Letras. Visita Angola e Moçambique integrado no Orfeão Académico da Universidade de Coimbra. Conhece uma costureira, Maria Amália de Oliveira, com quem casa em segredo, por oposição dos pais.

1953. Em Janeiro nasce José Manuel, o seu primeiro filho. Dá explicações e trabalha como revisor no Diário de Coimbra. Grava os seus dois primeiros discos, no Emissor Regional de Coimbra da Emissora Nacional - dois discos de 78 rotações com fados de Coimbra, editados pela Alvorada. Não existe qualquer exemplar desses discos. Cumpre serviço militar obrigatório em Mafra. Mobilizado para Macau, livra-se por motivos de saúde. Fica a cumprir serviço em Coimbra.

1954. Passa por grandes dificuldades económicas para sustentar a família, ao que se junta a crise conjugal muito sentida. Nasce a filha Helena.

1955. Termina o serviço militar e vai para Mangualde dar aulas (até 1956) num colégio privado. Inicia-se o processo de separação.

1956. Lecciona em Aljustrel e Lagos até 1957. É editado o seu primeiro EP, “Fados de Coimbra”. Um LP, também intitulado "Fados de Coimbra", é gravado em parceria com Luiz Goes.

1958. Lecciona em Faro. Passa por graves dificuldades económicas e envia os dois filhos para junto dos avós em Moçambique. Impressiona-se com a campanha eleitoral de Humberto Delgado. Faz uma digressão por Angola como vocalista do Conjunto Ligeiro da Tuna Académica.

1959. Frequenta colectividades populares onde canta regularmente.

1960. Edita “Balada do Outono”.


(1) Na tradição coimbrã são os estudantes do Liceu.

admário costa lindo

última actualização: 8.03.2007

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